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Cannabis medicinal e a urgência para colocar fim ao vácuo legislativo

Comercialização do produto pode beneficiar milhões de vida no Brasil

*Por Leonardo Sobral Navarro

Alvo de intensa polêmica, a cannabis medicinal já se impõe como uma alternativa importante no tratamento de algumas enfermidades graves. Inicialmente, a erva in natura era utilizada para minimizar dores, náuseas, infecções fúngicas, sofrimentos psicológicos, ansiedade e alguns tipos de tumores. Mais recentemente, no entanto, com a utilização efetiva da cannabis para fins medicinais, os canbinoides extraídos da planta vem proporcionando qualidade de vida e bem estar para milhões de pessoas ao redor do mundo. O que apontamos aqui é fato e não apenas retórica.

O objetivo do presente artigo não passa por qualquer discussão em torno de políticas públicas antidrogas ou lança luz sobre a Lei de Drogas (LEI Nº 11.343, de 23 de agosto de 2006), na medida em que esse mesmo diploma legal já outorga à União Federal o direito e o dever de autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais "proibidos/proscritos" exclusivamente para fins medicinais ou científicos (§único do artigo 2º).

Nítido, portanto, que não devemos nem podemos estender a discussão a um ponto que já possui expressa regulamentação. O que devemos é apontar o prejuízo decorrente da omissão legislativa no que se refere ao direito à saúde.

Cumpre entender como essa discussão ganhou forma no Brasil, observando e analisando o contexto social e jurídico que envolve os tratamentos com base nos derivados da cannabis.

E aqui, primeira e prioritariamente, precisamos deixar todo e qualquer viés ideológico, religioso ou moral para trás, bem como afastar todo e qualquer pré-conceito sobre tema.

Importante efetivamente que o tema seja encarado dessa forma, pois lutar contra aquilo que foi inserido em nosso subconsciente durante anos é algo extremamente desgastante. Essa assertiva é de fácil comprovação. Quando mencionamos a palavra 'maconha', fato que a primeira imagem ou referência que viria em nossa mente, estaria direcionada às drogas, alucinações, tráfico, quadrilhas, prisões, proibições, overdose, adolescência perdida, vidas destruídas, entre outras referências.

Hoje, para compreender efetivamente a demanda que se apresenta, precisamos inserir em nosso subconsciente a relação direta e inafastável entre a cannabis medicinal e bem estar.

Se no Brasil estamos engatinhando na matéria, outros países avançaram com êxito sobre o tema. Uruguai, Chile, Espanha, México, Colômbia, Canadá, EUA, Alemanha, Israel, Portugal, Tailândia (país com uma das legislações mais duras aplicadas ao tráfico de drogas, inclusive com previsão de pena de morte), já possuem ou estão em avançado processo para regulamentar o plantio, cultivo e produção dos mais variados produtos extraídos da cannabis viabilizando, assim, que milhares de doentes tenham acesso aos produtos e iniciem os tratamentos com rapidez e segurança (ADIN nº 5.708/DF - Parecer da PGR).

Efetivamente, essa demanda se faz presente pois os resultados do uso dos derivados da cannabis proporcionaram efeitos extremamente positivos no tratamento de diversas doenças, especialmente e não restritivamente: dores crônicas, artrite, artrose, fibromialgia, esclerose múltipla, Mal de Alzheimer, Mal de Parkinson, dependência química, esquizofrenia, TAG - Transtorno da Ansiedade Generalizada, transtorno depressivo, insônia, transtorno do pânico, autismo, epilepsia refratária, Doença de Crohn, retocolite ulcerativa e psoríase.

Estima-se que, no Brasil, algo em torno de 40 milhões de pessoas podem se beneficiar utilizando os derivados da cannabis para fins medicinais.

As pesquisas nessa seara avançaram muito nos últimos anos e tornou viável e acessível os tratamentos com base na cannabis medicinal. No entanto, o Brasil não registra qualquer progresso nessa área: absolutamente nada foi feito ao longo dos últimos anos.

Cumpre referir que, se o legislador se omite diante desse tema, a busca por informações sobre a matéria e a incansável procura por qualidade de vida, seja para si ou para um familiar acometido por grave doença, não pode ser brecada.

A sociedade civil procurou informação, pesquisou e vem lutando pelo acesso aos tratamentos, citando a importante luta das mães de crianças com epilepsia refratária.

Essa luta ganhou adeptos e agregou outros tantos doentes que, aos poucos - e enfrentando todo tipo de resistência e preconceito - conseguiram se organizar e, assim o contexto social foi estabelecido.

Atualmente, temos diversas associações de pacientes, entidades médicas e científicas impulsionando e disseminando informações sobre o tema. E o mais importante: viabilizando o acesso a tratamento a quem necessita. Esse é o contexto social efetivamente presente no Brasil.

Judicialização

A demanda por produtos impulsionou o registro do Mevatyl em 2017 (único medicamente com registro na Anvisa até o momento) que, por sua vez, é caro e ainda inacessível à grande maioria dos pacientes.

Daí que a consequência direta foi a judicialização do tema, cujas ações vem obrigando o Sistema Único de Saúde (SUS) a importar os medicamentos que contemplem os derivados da cannabis (CBD e THC principalmente), onerando o sistema. E, fundamentalmente: deixando claro que a produção nacional é necessária e inafastável.
Nesse contexto, associações de pacientes como a Abrace Esperança, localizada em João Pessoa (PB), bateram às portas do Judiciário e obtiveram autorização para cultivo e produção do óleo base da cannabis medicinal (mais de 2000 pessoas atendidas pela Abrace e com demanda crescente).

A pesquisa por grandes centros (Fundação Oswaldo Cruz e Unifesp), ainda que discreta, vem ganhando força, agregando médicos, farmacêuticos, biólogos, agrônomos e veterinários.

Diante dos avanços acima, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sempre muito criticada, mas dentro de sua competência, publicou a RDC 327/2019, que disciplina a fabricação, a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de cannabis para fins medicinais (Medicamentos com CBD e THC). Norma controversa e que, a princípio, não atende efetivamente quem necessita de tratamento.

Por fim, o Legislativo e o Executivo entenderam que a discussão do tema é inafastável e foi retomada na Câmara dos Deputados a tramitação do PL399/2015, cujo objetivo é viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta cannabis sativa em sua formulação.

No entanto, até que fato novo não surja no horizonte e com a proximidade das eleições municipais, a matéria poderá levar mais alguns meses ou anos, para efetiva apreciação em plenário.

Enquanto isso, a inércia dos poderes constituídos reflete nos diversos setores econômicos envolvidos no tema. Senão vejamos: o setor agrícola fica sem uma nova atividade para explorar, gerar empregos e receita. Já o farmacêutico fica sem matéria-prima para produção e, consequentemente não gera novos empregos. Por fim, a União, os Estados e os Municípios perdem a cada dia arrecadação tributária.

Mais grave: os doentes ficam sem tratamento adequado. O Estado inerte deixa o cidadão doente sem ter acesso à saúde. Portanto, não é exagero dizer que o Estado está em mora com o cidadão e afronta a Constituição Federal de 1988 quando deixa de disciplinar a matéria.

Essa é a realidade: doente sem tratamento, Estado inerte e moroso, despesa com importação de medicamentes com derivados da cannabis em ordem crescente (decorrente de medida judicial de pacientes), refletindo assim a importância do Poder Judiciário como garantidor do verdadeiro acesso à saúde. Faz-se portanto, urgente, que esse cenário seja fortemente alterado sob pena de que 40 milhões de vidas sejam penalizadas.

*Leonardo Sobral Navarro é sócio do Sobral Navarro Sociedade de Advogados e milita na área de acesso à saúde, com destaque para tratamentos que contemplam a cannabis medicinal

Artigo publicado no Portal Jota
Link:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/cannabis-medicinal-e-a-urgencia-para-colocar-fim-ao-vacuo-legislativo-20022020


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