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Justiça autoriza casal de Mogi a cultivar maconha medicinal em casa para tratar filho autista

Justiça autoriza casal de Mogi a cultivar maconha medicinal em casa para tratar filho autista.

Ítalo, de 8 anos, tinha crises frequentes e medicamentos convencionais não apresentavam resultados. Situação melhorou com o óleo da cannabis e, agora, pais poderão produzi-lo em casa.

Por Yasmin Castro, G1 Mogi das Cruze e Suzano -  11/07/2020 

Um casal de Mogi das Cruzes conseguiu na Justiça o direito de plantar maconha medicinal em casa para tratar o filho de 8 anos, diagnosticado com autismo. A decisão, que tem caráter liminar, também permite que os pais, Emília Santos Giovannini e Alberto Giovannini, produzam artesanalmente o óleo de canabidiol (CBD), que reduz crises e melhora a qualidade de vida do menino.


O habeas corpus foi concedido pelo juiz Rodrigo Boaventura Martins da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo em junho deste ano. Até então, a família só tinha o direito de comprar a substância, que precisava ser importada e chega a custar R$ 3 mil uma quantia suficiente para um mês.
Com a medida, a expectativa dos pais, que são técnicos em farmácia, é facilitar o acesso da criança à substância, diminuir os gastos com o tratamento e incentivar outras famílias de pacientes a também buscarem pelo direito na Justiça.


“Eu queria muito que milhares de mães pudessem fazer isso. Não [serve apenas para] autismo. É autismo, Alzheimer, Parkinson. É um leque de patologias que serve tanto. [Quero] levar essa informação, o conhecimento, de para que serve esse medicamento”, comenta Emília.

Até o momento, a questão do plantio não foi regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A única instituição autorizada a cultivar a planta, produzir e vender o óleo no país é a Associação Brasileira de Apoio à Cannabis Esperança (Abrace). O plantio é proibido inclusive por empresas com autorização para fabricar medicamentos, que precisam importar a matéria-prima.
 

Autismo
 
Ítalo Giovaninni se desenvolvia de forma diferente, se comparado às outras criança, segundo a mãe. Com 1 ano, o peso, o tamanho e o comportamento do menino eram como o de um bebê mais novo. A família buscou ajuda médica e recebeu um pré-diagnóstico de autismo e deficiência intelectual.


A confirmação veio dois anos depois e, desde então, o garoto passou a receber tratamentos com psiquiatra e terapeutas, incluindo psicólogo e fonoaudiólogo. Ainda na primeira infância Ítalo começou a ser medicado, mas, de acordo com Emília, os remédios não apresentavam resultado.

“O primeiro foi risperidona, mas não estava dando resultado, assim como outros. Ele usou risperidona, quetiapina, vários. Nunca davam resultado. Ou dopava o menino, quando ele tomava uma dose muito alta e ele ficava muito zonzo, ou então não fazia nem cócegas”, lembra a mãe.
Além do atraso do desenvolvimento, o filho da técnica em farmácia sofria com crises de choro e irritabilidade. Como consequência, ela precisou se dedicar integralmente aos cuidados dele e a rotina da família se transformou.

“Ele se batia, batia a cabeça na parede. Mordia a gente, se automutilava, mordia ele mesmo. Era muito desgastante. Nossa vida social acabou. Eu e meu marido sempre tivemos uma vida social muito ativa. Isso acabou. Acabou casa de família, casa de amigos. A gente gostava muito de fazer trilha, cachoeira. Acabou. O Ítalo não gostava. Ele não gostava de sair de casa”, explica.

A esperança se renovou quando os pais souberam dos benefícios da maconha medicinal no tratamento de patologias psiquiátricas e neurológicas. Emília e Alberto, que afirmam que nunca tiveram preconceito com a possibilidade, passaram a estudar o assunto e fizeram cursos.

Quando se mudaram de Suzano para Mogi das Cruzes, onde Ítalo passou a frequentar a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), conheceram pacientes que usavam o óleo da cannabis e, pela primeira vez, em 2019, tiveram acesso ao fitoterápico da Abrace.
“Foi aí que surgiu uma pessoa que quis se desfazer de um frasco da Abrace. A gente decidiu pegar.

Foi o primeiro frasco que a gente deu para o Ítalo. Foi uma mudança gritante para a gente”, relembra a mãe.

Com o óleo, o menino, que não brincava, tinha crises frequentes e atraso no desenvolvimento, passou a sorrir a aceitar os carinhos da família. Porém, as dificuldades recomeçaram quando o frasco acabou. Emília conseguiu a prescrição médica necessária para comprar legalmente, mas precisou encarar outro problema: o preço.
 

A recomendação foi que Ítalo usasse a substância Purodiol CBD, que só é vendida no exterior. Com o frete para envio ao Brasil, o produto chegava a custar R$ 3 mil em um frasco de 30 miligramas, suficiente para um mês. O valor ultrapassava a renda da família.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), atualmente o país conta com dois produtos à base da cannabis, o Canabidiol Prati-Donaduzzi e o Mevatyl. Ambos estão à venda nas farmácias brasileiras, mas nenhum dos dois era recomendado ao garoto.

Outra opção seria adquirir por meio da Abrace, que é uma organização sem fins lucrativos que visa facilitar o acesso das famílias ao tratamento com óleo da cannabis. Para isso, os interessados devem se cadastrar previamente, por meio da apresentação de documentos, e se tornar um associado.

"A gente paga R$ 550 no óleo da Abrace num frasco de 100 ml, mais a anuidade de R$ 350. Para o Ítalo, dá um pouco mais de três meses. Eu acho que é um valor justo para uma associação", diz a mãe.

Mas ela queria ir além. Emília entrou para o projeto Mães Jardineiras, da psiquiatra Eliane Nunes, diretora da Sociedade Brasileira de Estudos da Canabis (Sbec). Na iniciativa, famílias com prescrição para o uso do óleo da maconha medicinal recebem orientações para solicitar na Justiça o direito de cultivar a planta e produzir o fitoterápico em casa.
 

Entre as 30 famílias inscritas, o casal de Mogi das Cruzes foi o primeiro a conquistar o direito. "A partir do momento que o juiz pegou a papelada na mão, até sair o habeas corpus, levou três dias.

Foi muito rápido", comemora Emília.

Agora a família prepara a casa para receber a plantação. Serão 12 pés do tipo 'teia de charlotte', rico em CBD. "A gente montou um grow. A gente comprou as lâmpadas, outras coisas eu ganhei para poder usar. Tem que ter a ventilação correta, a luz correta. Tem quanto tempo de luz tem que ficar, quanto tempo de escuro tem que ficar. Tudo isso a gente aprendeu".

O casal ainda terá obrigações com a Justiça, como a apresentação de laudos e relatórios periódicos enquanto aguarda pela sentença definitiva. Enquanto celebra a liminar, Emília recebe, apoia e orienta outras famílias e pacientes no Mães Jardineiras.

“Mudou tudo. Mudou muita coisa. O Ítalo, até então, era um medo. Existia o preconceito da família, dos amigos. Diziam que estávamos dando maconha para nosso filho. Eu não tenho preconceito para o uso recreativo, nem para o medicinal. Hoje acolho pessoas que querem viver o mesmo que eu, tanto em questão financeira, quanto em qualidade de vida. É uma alegria e tanto”.

Direitos e deveres

O advogado Leonardo Navarro, especialista em direito à saúde, atendeu a família de Ítalo durante o processo. Ele explica que o judiciário está atento às pesquisas sobre o uso da cannabis medicinal, mas que cada caso é único e as decisões podem variar.

Ele ressalta, por exemplo, que só pode solicitar o direito ao cultivo as pessoas que fazem uso da substância mediante prescrição médica. “Não adianta uma pessoa se automedicar e se autoprescrever os derivados da cannabis. Não vai ter valor e nem força alguma perante o judiciário”, destaca.

Como o custo do fitoterápico prescrito para o garoto era alto e não está disponível no Brasil, a família pôde solicitar autorização para plantar. O processo requer uma decisão da Justiça, pois a maconha está entre as plantas proibidas no país.

“Optando pelo plantio caseiro, ele tem que ser resguardado por decisão judicial. Isso porque a cannabis está entre as plantas restritas, que tem substancias alucinógenos, e é proibida em solo brasileiro. Aqui eu não estou falando daquele porte de drogas, não é isso. A planta, simplesmente, não pode ser cultivada em território nacional”, explica o advogado.

Navarro esclarece ainda que o processo estabelece uma série de regras que deverão ser seguidas à risca pelo pais do paciente. Emília só poderá cultivar a quantidade de pés estabelecida pela Justiça e o tipo deve ser, apenas, do que atende aos requisitos prescritos por médico. A aquisição da própria semente, por exemplo, requer cuidados.

“Quando se fala em plantio a gente acha que a pessoa vai comprar uma semente que ela não sabe a origem, algo que ela não sabe que não é. A gente tem que quebrar esse mito. Quando você adquire uma semente de cannabis hoje, você adquire algo que tem até um laudo. Você sabe que aquele tipo de cannabis, se produzida corretamente, vai chegar a tais níveis de CBD e THC. Você compra com um alto nível de segurança”, aponta.

Emília e Alberto conseguiram na justiça uma decisão liminar de salvo-conduto, documento emitido pelas autoridades que reconhece o direito ao plantio como algo não-criminal. Na próxima etapa, caberá ao juiz intimar as autoridades ligadas ao processo, como as polícias Militar, Civil e Federal. Enquanto isso, o casal seguirá as determinações instruídas na decisão.
“Dentre dessas obrigações, ela pode cultivar até 12 plantas, ela pode portar o frasco do óleo para onde ela for com o Ítalo, mas não pode doar ou ceder para alguém o produto daquela produção. Ela precisa elaborar relatório sobre a quantidade de plantas que estão sendo cultivadas e a quantidade de óleo extraído, se a quantidade excede a necessidade e se ela está estocando. Precisa informar também, sob relatório médico, a evolução do tratamento do Ítalo. O juiz quer saber se ele está usando e se isso está fazendo bem para ele”.
 

Link - original

https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2020/07/11/justica-autoriza-casal-de-mogi-a-cultivar-maconha-medicinal-em-casa-para-tratar-filho-autista.ghtml

 


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