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A Suprema Geni

A SUPREMA GENI

Guardião da Constituição Federal, Supremo Tribunal Federal assiste à queda de confiança na sua relação com a sociedade por justamente tentar cumprir o seu papel.

Leonardo Sobral Navarro*

Em uma de suas incontáveis obras primas, Chico Buarque de Holanda escreveu Geni e o Zepelim, um libelo que denunciava a sanha moralista de um povo contra a personagem central da canção. Dizia-se na canção: "ela é feita para apanhar, ela é boa de cuspir', entre outros horrores.

Ouso dizer que o Supremo Tribunal Federal, embora não mereça, converteu-se em Geni. Guardião da Constituição Federal, o Supremo assiste à queda de confiança na sua relação com a sociedade por justamente tentar cumprir o seu papel. São recorrentes as teses de que o STF passa a impressão de que está desligado da realidade brasileira. Com o advento da internet e das redes sociais, pessoas mascaradas por suas telas de computador proferem ataques à Corte e, em particular, a alguns ministros. Somos 220 milhões de técnicos de futebol. Nos tornamos 220 milhões de advogados.

São incontáveis os ataques aos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Morais, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Marco Aurélio Mello, para citar alguns dos 11 integrantes do Supremo.

A celeuma ganhou proporções tais que os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, este último presidente da Corte, impulsionaram investigação que tinha por objetivo identificar usuários da web que proferiram ameaças contra a Corte e seus ministros. Evocou-se a partir de então o argumento da liberdade de expressão. Mas como justificar que ameaças de morte ? ainda que permaneçam no campo das ameaças ? possam ser acolhidas no campo de tal liberdade?

Outra questão se refere aos pesos e medidas. Ou como entender que, longe do anonimato da internet, o filho do então candidato à presidência Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, sugeriu que para fechar o Supremo bastavam "um soldado e um cabo'. A declaração foi dada em 21 de outubro de 2018. Cabe indagar se o procedimento de Toffoli e Moraes tem algum efeito retroativo e se estende ao filho do atual presidente da República ou não.

Alvo recorrente entre os críticos do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes é atacado à esquerda e à direita por decisões proferidas em Habeas Corpus. Mendes, aliás, é um intransigente defensor do HC diante do que considera prisões preventivas abusivas, mais recentemente no âmbito da Operação Lava Jato. Isso porque, no caso da operação em questão, as prisões preventivas têm prazos não definidos que chegam a dois, três anos em alguns casos.

Talvez o ponto de virada da transformação do STF resida justamente no clamor popular atendido pela Lava Jato. Pioneira, a operação levou de grandes empresários a políticos de expressão para a cadeia trazendo à sociedade uma espécie de sensação de justiça pouco ou talvez jamais experimentada no País.

Sensação que transformou o então juiz Sérgio Moro em herói, ao ponto de ter seu nome alçado como possível pretendente ao Planalto ou mesmo a uma cadeira, vejam só, no próprio Supremo.

O messianismo dos procuradores em Curitiba, que a qualquer tempo, corriam à internet para pregar a correção de suas decisões questionadas em entrevistas pelos ministros do Supremo, transformou a Lava Jato num espetáculo midiático e de extremo ativismo judicial contrapondo, numa análise rasa (e comprada por boa parte da sociedade brasileira), os chamados "homens de bem de Curitiba' contra os 'homens maus de Brasília'.

Eis aqui o grande problema: a Lava Jato vendeu a sensação de que os anseios da sociedade devem suplantar o que está escrito na Constituição. E, juridicamente, este é um caminho muito perigoso. É a Constituição apenas "e nenhum outro estatuto ou desejo" que deve pautar o Judiciário em todas as suas instâncias.

O que o Supremo e seus ministros têm feito - uns de forma mais eficazes que outros, é verdade é permitir e ordenar que a Constituição prevaleça para que o sentimento de vingança judicial - que não significa justiça - ganhe corpo.

Em 2008, o já citado Gilmar Mendes, então presidente do Supremo, ao julgar um HC em favor do banqueiro Daniel Dantas no âmbito da Operação Satiagraha, foi didático ao sugerir em seu voto que o clamor da sociedade não pode ser considerado para determinar a prisão de um indivíduo.

Nessa ocasião, por duas vezes, reagiu contra um conluio entre Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Polícia Federal, Ministério Público Federal (MPF) e 6.ª Vara Federal Criminal que determinou a prisão do banqueiro Daniel Dantas, sem que provas robustas tivessem sido colhidas contra o acusado. O STF confirmou em 2015 decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou integralmente a Operação Satiagraha.

O mesmo Gilmar Mendes tem ratificado incansavelmente, em pleno curso da Lava Jato, que as práticas dos procuradores de Curitiba são abusivas, também porque pautadas por desejos de vingança - e não de justiça - de parte da sociedade.

Em resumo: o STF talvez não estivesse preparado para tamanha exposição, ou para colher a repercussão das transmissões de suas sessões plenárias, que permitiu ao País escalar quem são os 11 ministros do Supremo. O noticiário muitas vezes destaca ministros trocando ataques, farpas e estrelando sua "novela de toga'.

No entanto, em que pese o gracejo, os ministros ali estão para defender a Constituição Federal para que a barbárie não paute a nossa sociedade já tão dividida politicamente. Há mais Genis a exigir de nós brasileiros ataques mais efusivos. O STF não é, e nunca pode ser transformado, em Geni. Respeitar o Poder Judiciário é garantir direitos e garantias individuais inalienáveis.

*Leonardo Sobral Navarro é advogado
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-suprema-geni/


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